quinta-feira, 16 de julho de 2009

Vinho, podridão e o Château d’Yquem - por André Logaldi


Vinho e podridão

Todo enófilo curioso e atento, já se acostumou a se deparar com as explicações sobre os vinhos licorosos, feitos de uvas “podres”, muitos sabem também que são uvas infectadas por um fungo chamado “Botrytis cinerea”, um parasita temido em todo o mundo vitícola.


Alguns, vão ainda mais fundo e sabem que este fungo pode produzir tanto a “podridão nobre” que permite a elaboração de néctares como o maravilhoso Chateau d’Yquem, como a “podridão cinza” que destrói totalmente a uva e não admite a elaboração de vinhos. Mas qual a diferença entre estas duas doenças tão díspares, causadas pelo mesmo fungo?


A primeira diferença é que a podridão cinza atinge somente bagos insuficientemente maduros, em geral por falta de boa insolação. Quando por outro lado, estes bagos têm contato com alguma umidade (as brumas matinais dos cursos d’água próximas às regiões nobres como Sauternes) mas recebem uma boa insolação à tarde (e secam), eles conseguem alcançar a maturidade e o fungo ao invés de atrapalhar, ajuda a criar a base para vinhos luxuriantes.


A podridão cinza danifica os bagos de modo irremediável; a podridão nobre concentra açúcares, aumenta a acidez natural (por produção de ácidos fixos – glucônico, múcico, lático etc), libera glicerol, que dá a textura licorosa e um pouco de ácido acético, que em dose discreta, dá um traço aromático típico.


A podridão nobre requer portanto, umidade matinal (neblina) e sol vespertino sobre uvas de baixo rendimento (quilos por pé) e que tenham uma genética favorável, por exemplo, é fundamental que possuam pele espessa, mais resistente, para que não se rompam. Se há ruptura outros tipos de podridão atacam os bagos.


Curiosidade final: as uvas não são o único prato predileto destes fungos dentro do reino vegetal: cebolas, tomates, morangos (foto) e outras frutas silvestres também podem ser atacados.



Château d’Yquem 2001



Oportunidade única, uma vez que não tenho condições de comprar um vinho desta categoria, mas prová-lo ao menos seria o máximo e assim foi. Aos poucos vou aprendendo o que é de fato um grande vinho, onde e por que são diferentes. A grande marca fica na boca: untuosidade, delicadeza e persistência inacreditável!

Visual: Amarelo ouro de brilho intenso, límpido, denso e de lágrimas lentas do tipo que formam um colar nas margens da taça.


Olfativo: Aromas de média à forte intensidade com notas de frutas confeitadas como abacaxi, laranja, geléia de maracujá, florais, especiarias tipo noz-moscada, mel em favos, cera. Complexo!


Gustativo: Na boca é que se nota a diferença, com untuosidade marcante, textura sedosa, com sabores de maracujá em geléia e frutas brancas, notas florais e também de damasco seco, num conjunto muito elegante!Retrogosto de mel e cera, persistência interminável, os sabores se perpetuam no palato e somente desapareceram depois de 2 bons goles de água.


Este é o diferencial: tomei água e os sabores se mantinham, toda a cavidade oral parecia envolvida numa camada tênue de uma película de textura sedosa e sápida.

André Logaldi é médico cardiologista, enófilo, diretor de degustação da ABS-SP, colaborador da revista Wine Style, revisor técnico de livros sobre vinhos.

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