quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A Experiência Estética - por André Logaldi

A Experiência Estética - por André Logaldi

Dentro de minha vivência tenho inúmeras vezes me deparado com a colocação de que o ato de compreender e ser atingido emocionalmente por um objeto que contenha em si algum significado seria uma atribuição essencialmente humana, por seu fundamento de cognição, a inteligência que faltaria a outros animais.

A significação é uma expressão simbólica e abstrata que transcende o próprio objeto e implica que o observador tenha a mínima capacidade de, através de sua bagagem cultural e interpretativa, captar elementos que validem sua observação transformando esta em uma apreciação.

Também se atribui à capacidade sensorial um nível de hierarquização que acredito de modo ilegítimo, pressupõe que alguns sentidos sejam superiores a outros, os inferiores mais nos aproximando de seres irracionais. Assim, no nível inferior teríamos tato, olfato e paladar, em geral admitidos como primários e meramente ligados antes à sobrevivência do que a um plano cognitivo, nobre, ligado à inteligência e habilidade de abstração. Dentro deste plano superior, basta lembrar o título da obra de Claude Lévi-Strauss “Olhar, escutar e ler” que sublinha evidentemente a excelência dos sentidos de visão e audição como os maiores representantes da percepção estética. O que são grandes obras de arte senão objetos, arquiteturas, músicas, pinturas, esculturas, poesias e afins?

No século XXI já é notório também a evolução da gastronomia mais do que nunca elevada à categoria de ciência, provedora de múltiplas estimulações sensoriais inclusive táteis e talvez transformando pouco a pouco os sentidos de paladar e olfato em veículos de cognição. Desta maneira, se para a iconografia um quadro da Santa Ceia exigiria uma contextualização histórica de um observador, sob risco da perda de seu significado (o que um aborígene australiano diria desta obra?), agora parecemos caminhar na mesma direção quanto aos nossos sentidos que eram tratados como simplesmente subsistenciais.

Paralelamente temos a experiência de provar grandes vinhos, que em nada se distancia das experiências estéticas uma vez que o significado cultural por trás de uma garrafa pode ser igualmente transcendente e nos melhores casos, a experiência sensorial por si também proporciona intenso prazer.

Os objetos que carecem de significado são tidos como “funcionais” e seguindo a trilha, temos vinhos igualmente funcionais uma vez que podem apenas estabelecer sua premissa mais básica, sobretudo quando visto como um alimento.

No plano superior se tomarmos o exemplo de um grande vinho, como o Mouton-Rothschild, veremos que esta casa agregou valores vinculados à sua história, à consistência e perseverança de uma família que se propôs a elaborar um vinho que melhor representasse o valor de suas terras, compradas em 1853. O que se compra é mais do que uma garrafa de vinho, mas um produto final que guarda por trás de si uma tradição e o comprometimento com a qualidade máxima possível, o que pode ser quase comparado a um juramento hipocrático, ou seja, uma garantia de retidão e ética no exercício de seu ofício.

A experiência emocional de apreciação da arte pressupõe muito mais do que a familiaridade com os objetos retratados, mas com temas específicos e conceitos. A percepção da arte como tal pressupõe no apreciador uma habilidade individual bem fundamentada. A experimentação estética se baseia na consonância entre a intenção do autor e o conhecimento do apreciador. A arte não se auto-explica, mas é intuída, do contrário seria apenas o objeto funcional.

E enfim, depois de muito tempo de evolução, parece que a experimentação estética no campo dos vinhos está se disseminando e o melhor, graças a esforços intelectuais dos apreciadores, que acima das intempéries financeiras, se multiplicam. E por isso a arte, independente da origem do estímulo, segue sem preço.

André Logaldi é médico cardiologista, enófilo, diretor de degustação da ABS-SP, colaborador da revista Wine Style, revisor técnico de livros sobre vinhos.

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