quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Gentilezas Enofílicas - por Elmo Dias

Gentilezas Enofílicas - por Elmo Dias

- Pára com isso, Juarez, você já cheirou esse vinho umas dez vezes!!

- Ô casca de ferida que você é, Gonçalo. Me deixa quieto, rapá! O vinho tá evoluindo na taça!

- Cuméquíé ? Tá de darwinismo com esse seu suco de uva sem vergonha agora?

- Ah meu sapato velho… eu sabia que deveria ter bebido cerveja com vocês…

- Você vai é arranjar uma lééerr das boas, ou virar baitola girando esse copo com a munheca tantas vezes…

- Ô mastodonte, bebe essa tua Budweiser miserenta aí e me deixa em paz!!

- Bota um pouco desse vinho aqui no meu copo, quero ver se esse troço é bom mesmo!

- Nem a pau! Acha que vou colocar meu Lagarde Guarda nesse copo babado e com cheiro de cerveja?

- Tá bom, peraí, eu vou beber a espuminha que tá no fundo…

- Nem vem, vai ficar esse cheiro de cevada fermentada misturado com o bouquet do meu vinho, vai pegar do Almaden que tá lá no buffet.

- Deixa de ser boiola, bota um pouco aqui que quero ver se esse troço é bom ou confirmar se você anda mesmo a biba que acho que você é.

- Gonçalo, tu já tomou umas dez latinhas de cerveja, tá pertinho de começar a querer agarrar até a minha sogra na festa, não vou te dar do meu vinho não!

- Tá bom, tá bom. Eu sigo suas regrinhas gayzolas… me diz aí o que faço.

- Não vou te dar vinho, você não vai gostar, já tá tomando até cerveja quente!

- Vai, não enche o saco, diz aí, o que quer que eu faça!

- Saco, viu. Pega uma taça ali na cristaleira.

(Volta com uma taça de martini)

- Não, jumento, Uma taça igual a essa que estou usando!

(Volta com uma bordeaux)

- Tá, agora toma um pouco de água. Dá uma bochechada, sei lá, limpa essa língua.

- Mas que cara chato! Quero vinho, não quero fazer higiene bucal!

- Ô animar! Não é pra usar Listerine! Dá só um golinho pra tirar o gosto de cerveja da boca!

(Toma um golinho mínimo, engole direto)

- Ô lesado, bochecha um pouco antes pra limpar as papilas da língua!

- Escuta, isso é consulta de dentista ou “degustação”, como vc vive falando?

- Ok, esquece. Não vou mais te dar vinho.

- Tá, tá, eu bochecho…

(Toma um gole grande, bochecha e em seguida começa a gargarejar)

- Hahaha… ô seu mamado! Você vai beber vinho, e não pra cama dormir!

(Gonçalo se molha inteiro e quase se afoga porque estava gargarejando de boca pra cima quando caiu na risada)

- Vai, coloca esse trubisco aí na taça de uma vez!

- Trubisco é a vovó! Esse é um Lagarde Guarda 2002, que comprei direto na Weinert antes de sair pro mercado!

- Nhenhenhé, agora vai começar com a nomarada estrangeira de sempre. Não quero saber se comprou do Chucrutz ou do Eisbein, quero ver que gosto tem esse troço!

(Juarez serve um dedo de vinho no fundo da taça)

- Deixa de ser regulão!! Enche essa taça, seu munheca!

- Nessa taça cabe 700 ml de vinho, sua anta. Queria beber, agora faz como eu digo, deixa de ser tosco!

(Gonçalo dá uma risada mole de bêbado risonho)

- Primeiro, não pega na taça assim! Vai esquentar o vinho!

- Mas que cara mais chato! Que diferença vai fazer se ficar um pouco mais quente?

- Já tá a 17 graus, você vai piorar o vinho!

- Tá, tá.

- Segura pela haste, assim…

(Juarez ergue a taça, Gonçalo segura só com dois dedinhos e faz uma expressão efeminada, virando os olhos pra cima)

- Aiai… agora, pra não derramar vinho pra todo lado no estado que você está, coloca o vinho na mesa, assim, firma o pé da taça, e gira, assim.

(Gonçalo fica movendo a taça pra frente e pra trás ao invés de girar)

- Ô malaco, ASSIM! (Juarez gira a taça com força)

Gonçalo dá outra risada debochada e gira direitinho.

- Tá, agora ergue a taça e coloca o nariz dentro dela, e respira fundo.

(Gonçalo ergue a taça, enfia o nariz mas inclina demais a taça, e enche o nariz de vinho, se afogando inteiro)

- Hahaha… ô besta quadrada! É pra cheirar o vinho, não tomar pelo nariz!!

Gonçalo limpa o rosto e, meio indignado, aspira direito dessa vez.

- E daí, me diz o que sente de cheiro!

- Ué, tem cheiro de uva, caramba!

- Ai meu Santo Onofre, tem tudo aí, menos uva!

- Tá bom, então tem cheiro de vinho.

- Humm… melhor. Que mais?

- Sei lá… um cheiro meio doce…

- Isso… fruta em compota…

- Hahaha… que mané fruta em compota, como é que você vai definir que tem cheiro de fruta, e ainda mais fruta em compota!

- Me dá essa taça aqui de volta!!

- Tá bom, tá bom! Calma pilombeta! Vai dizendo aí que outros “aromas”tenho que sentir.

- Tem cheiro defumado também, um pouco mais fraco.

(Gonçalo fecha os olhos e cheira concentrado…)

- Humm… e não é que tem mesmo! Meio que um cheiro de paio…

- Ok, ok. Que seja. Também tem um cheiro de caixa de charuto…

- Ô minina formosa, como assim? Caixa de charuto ou charuto?

- Não, da caixa mesmo, da madeira que pegou o cheiro do tabaco!

- Pronto, daqui a pouco vai dizer que também tem o cheiro do pote da geléia, e não de geléia…

- Gonçalo, cheiro de caixa de charuto é comum!

- Só se for na gaveta daquela tua escrivaninha de fresco, na tua biblioteca.

- É isso mesmo!

Gonçalo vira os olhos pra cima, desdenhando.

- Tá, isso não estou sentindo não. Você tá viajando, já bebeu demais esse troço.

- Tá, esquece. Vamos pra boca…

- Qual delas ? Lapa ou a o Cais ?

- Tuas piadinhas estão tão boas quanto teu olfato…

- Ok, vou beber.

- Peraí, não vai bebendo de qualquer jeito! Deixa a boca meio aberta, bebe um pouquinho só, e puxa ar pela boca enquanto bebe.

- Hein?

- Isso mesmo, oxigena o vinho enquanto sente o gosto!

- Cê tá doido! Vou me babar todo!

- Anda, tenta!

Gonçalo se baba todo.

- Agora pára de me encher o saco, vou beber como conheço, com a boca fechada!

Juarez ainda dando risada concorda com a cabeça.

- Hummm…

- E aí, o que achou?

- Sei lá… esse troço não é meio ácido?

- Claro que é acido, a acidez é uma característica essencial do vinho…

- Mas e aqueles docinhos da garrafa azul ?

Juarez vira os olhos pra cima.

- Aquilo nem se pode chamar de vinho, Gonçalo!

- Como assim, e o vinho de pêssego Canção? Tá escrito vinho no rótulo!

- Eu sabia que ia ser uma perda de tempo…

Naquele momento, a mulher mais gostosa da festa, nova no setor dos recursos humanos, pára em pé do lado dos dois.

Gonçalo e Juarez se olham,Gonçalo surrupia rapidinho a garrafa do Weinert, num pulo chega junto da morena de calça justa, garrafa na mão e dispara:

- Helloouu, você não é a Nina? Tava aqui pensando em de repente te oferecer um golinho de vinho, parece mais a sua cara do que essa cervejarada meio ralé que o povo té bebendo…

- Ah é - Nina dá uma risadinha - e que vinho é esse ?

- É um Weimaraner comprado direto na vinharia… coisa fina… tem aromas de frutas glaceadas na caixa… vamos ali pegar uma taça…

Passa a mão na cintura dela, pisca pro Juarez boquiaberto e vai dando risadinha enquanto ela rebola em direção da cristaleira.


Elmo Dias é advogado civilista, presidente da Afavep, pescador, tenista, enófilo e cronista nas horas vagas (bem vagas)

2 comentários:

DENISE S.SAVARIS disse...

Ja vi essa estoria em algum lugar...alias infelizmente é muito comum acontece-las, principalmente com quem esta inciando e ao lado de pessoas que nao conhecem nadica de nada de vinhos.
Adorei!!!

Elmo disse...

Denise, também já achei que vi isso acontecer muitas vezes, mas o gostoso mesmo é se divertir, deixemos os sectários, tanto pra um lado como pro outro, que nos façam rir... abraço.