sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Amizades, Vinhos e Geometria - por André Logaldi

Amizades, vinhos e geometria - por André Logaldi

Permitam-me viajar apoiado em palavras, usar frases descontextualizadas com as melhores das intenções, desconstruir idéias para montar uma nova paisagem ilusória, um quebra-cabeças de peças estranhas à sua própria origem.

Recentemente estava lendo sobre geometria, para ver se meu cérebro cansado das mesmas conexões poderia se abrir para novas dimensões, na verdade, realidades que estão nos rodeando e não temos suficiente abstração para brincar com elas. Sempre em tom de brincadeira, leia-se sem compromisso com rigores tecno-científicos, minha marca registrada, me deixei levar por frases como “as realidades física e matemática não são coincidentes”, ou quem sabe “grandes círculos são necessariamente curvas fechadas”. A explicação desta última dentro de um contexto lógico para os profissionais da área, é que no plano de uma esfera não existem retas paralelas verdadeiras, ou seja, todas elas se encontrarão em algum ponto.

Meu devaneio é extrapolar esta realidade singular para outras naturezas de esferas ou círculos, como as amizades, sobretudo as que eu tenho feito no mundo dos apreciadores de vinhos. Qual é o ponto? Principalmente o fato de que navegamos talvez em um pseudo-paralelismo por uma mesma realidade que se encontra ou encontrar-se-á num mesmo fim. Cada qual com suas singularidades e habilidades, todos partimos e retornamos ao mesmo ponto: o da celebração de nossos laços de amizade por meio das mais diversas formas de expressão e linguagem. A mesma amizade que ameniza os momentos de dor da realidade. Nossa fuga em direção ao prazer, mostra elementos de partilha. O apreço pelos vinhos é um destes nossos “dialetos” comuns. Falamos sobre vinho como um modo de demonstrar que carregamos conosco uma marca real de nossos diversos, etéreos e mutáveis estados de espírito. É, de novo, um conceito de abstração escolhendo um representante legítimo no mundo físico. Quantas vezes não identificamos a necessidade de buscar uma fonte de prazer á altura exata de nosso status emocional? Como grandes círculos fechados em si, nos encontramos incessantemente por meio dos mesmos instrumentos. Buscamos com alegria, encontrar um pouco de nós no outro. Quantas vezes eu não joguei uma reflexão, uma piada ou sentimento ao alto e recebi de volta um enorme feedback? Não estamos sozinhos, alguns estão situados em uma área de paralelismo um pouco mais distante, não tão óbvia, mas o que importa? Pretexto para mais um brinde, que seja, mas não me furto ao direito de celebrar a racionalidade, a abstração, os sentimentos humanos e as grandes amizades. Tudo temperado com um pouco de vinho e nossa saudável loucura, nosso descompromisso pueril, por vezes massacrado pelo lado negro da realidade.

André Logaldi é médico cardiologista, enófilo, diretor de degustação da ABS-SP, colaborador da revista Wine Style, revisor técnico de livros sobre vinhos.

4 comentários:

Pitila disse...

E eu li este ótimo texto do André encerrando uma taça de um cabernet sauvignon que adoro, logo após encerrar meus trabalhos de hoje (ontem, mas como eu ainda não dormi, digo hoje).
Viva a geometria de Logaldi.

André Logaldi disse...

Querida Pitila, tal qual as "geodésicas" do texto, a sensação que fica é a mesma da teoria: algo nos aproximava mas não nos encontrávamos, até que enfim, nos cruzamos através do texto e do amor pelo vinho, pelo poder de cura emocional que uma tacinha pode trazer brevemente ao espírito. Desejo que alcance suas pequenas doses de felicidade a cada taça de vinho que consumir, mas cuidado com o excesso de felicidade, hein? (rs). Mas é isso: o vinho pode ser um instrumento pelo qual acreditamos que a natureza recompense nossos espíritos, sobretudo os das boas pessoas, que buscam e dividem suas alegrias. Bacini!

Elmo disse...

Mon chere Filipas Minoxopoulos, vc parece o Montesquieu tentando materializar o espírito das leis... hehe. Na verdade, és um ser humano transcendente, mesmo que prossiga sendo um maníaco pelas ciências exatas, acho que posso tentar te compreender e vestir seus sapatos... raros seres humanos conseguem enxergar depois da cortina. Mesmo que sua "paráfrase" com a geometria seja pontual, é afetuosa... muito bom texto, especialmente porque é um devaneio confessante, algo de lúdico na figura mental que vc cria analogizando ciência, amizade e vinho. Certamente, no mundo dos homens de boa vontade (não estou tentando narrar como o Cid Moreira aqui, pelamordedeus), as paralelas eno-relacionadas se encontram mesmo em algum lugar. Abraço.

André disse...

Elmito, se pudesse escolher o que fazer da vida, baseado no prazer, ficaria horas sentado com amigos, bebendo vinho e provocando idéias nascentes, como sempre, tal qual um "simpósio" grego, jamais debatendo mas construindo idéias e com o vinho, vislumbrar a possibilidade de nos aproximar dos deuses! Bem, uma pisada mais funda na geometria, embora prazerosa, nesse momento nem se fez necessária, afinal estamos longe uns dos outros e beber em busca de deuses, sozinho, não tem tanta graça...rs.